segunda-feira, 4 de maio de 2009

Pelo menos três vezes por semana

Ele não podia ir embora. Havia a pequena árvore e a meia dúzia de besouros. Nem cinco, nem sete: uma árvore suficiente para seis. E assim, todo dia, deixava a cama às seis pelos seis.
A blusa bem esticada na cadeira. A pasta de dente criteriosamente espremida. A água no rosto. O pente no cabelo. O pão com geléia. Um sopro no leite para não derramar. O chinelo arrumado no tapete da porta. E a porta que se abre pelos seis.
Ele bem sabia que meia dúzia de qualquer coisa pode ser suficiente para uma vida. São seis motivos e uma árvore.
Depois de uma investigação minuciosa – atrás da orelha das flores, entre os dedos do caule, na cabeleira da folhagem – punha-se a fazer os cálculos. Retirava cuidadosamente os besouros excedentes e esmagava-os com as pontas dos dedos. Limpava o melado cintilante das mãos na grama.
E os chinelos voltavam ordenados para o tapete da porta.
Havia a pequena árvore e a meia dúzia de besouros e ele não podia ir embora. Às seis, pelos seis. Às seis, pelos seis. Às seis, pelos seis.

Um dia a amiga ligou chorando. Não havia mais árvore e os muito mais de seis besouros disputavam as últimas folhas ainda pintadas de cintilante. A camisa no chão. O tubo de pasta aberta. A torneira pingava. O fogão sujo. Ninguém para chorar o leite derramado. Nem sinal dos chinelos. Ele tinha ido embora.

Mas a amiga nunca pode ir embora. Há o homem sem os seis besouros e a pequena árvore. Nem muito, nem pouco: há o homem suficiente para se perder. E às seis, ela acordou e mandou-lhe um pequeno vaso de flores. “Querido, favor manter ao sol e molhar três vezes por semana”. Que era pra provar que o mundo ainda precisava dele. Pelo menos três vezes por semana.

Um comentário:

cacau disse...

Valente Diadorim, quanto densidade na composição das palavras e das imagens. Cala fundo...
Sua fã de carteirinha, Cacau