terça-feira, 18 de agosto de 2009

Minha tragédia em um cachorro quente




Nasci tragicamente patética. O médico insistiu que era apenas questão de vaidade - aquelas duas voltinhas do cordão umbilical enroladas no pescoço. Penso se não era apenas para chamar a atenção. Como quem anuncia, mas não se joga da ponte.

Esquecer o lápis na primeira série foi um grande acontecimento em minha coleção de desequilíbrios ridículos. Eu, ainda rascunho de mim, corri ao banheiro. O lápis era maior do que eu: formiguinha aflita presa pelo ilusório risco de grafite. Mal sabia que toda minha estrutura emocional poderia estar amparada naquele milimétrico cilindro de madeira. E quando percebi que ele não estava mais por lá, o mundo desabou miudinho - grito de formiga - dentro da cabine do banheiro. O lápis, meu Deus, o lápis! Meu demônio tinha apenas 10 centímetros de altura e cabia em um pequeno estojo. A mãe foi chamada às pressas: a menina estava muito branca que nem pôde falar de seu fantasma durante os próximos dez anos.

Lembro também de minha mãe, de vestido verde, fechando a porta do carro vermelho, no dia em que ela me deixou. “Me deixou” dormir na casa da amiga, é claro. Mas, tratando-se da visão de uma trágica, de qualquer forma, me deixou e isso já se configurava mais um pequeno apocalipse existencial. Dormi lambendo as lágrimas do rosto: era triste e bonito aquilo de ela verde desaparecendo naquele vermelho. De vez em quando, minhas tragédias atingem dimensões estéticas: uma mis en cène da tristeza.

E assim, como em um melodrama de quinta categoria, fui ardendo em tudo: na ausência de um lápis ou em um vestido verde que some dentro de um carro vermelho. Hoje mesmo tive dó de mim enquanto comia sozinha um cachorro quente na padaria ao lado. Uma mulher de 29 anos que come um cachorro quente já me parece pateticamente triste. Uma mulher de 29 anos que come um cachorro quente sozinha enquanto lê Fernando Pessoa é de beirar o inconsolável. Colocar um pouco de mostarda e de catchup a cada mordida foi meu cuidado estético com a cena de meu drama particular. Hoje, minha tragédia coube em um pedaço de salsicha.