terça-feira, 29 de setembro de 2009

Do tamanho do colo


Bom mesmo é caber em um colo. Desmoronar nos braços de alguém, sem nem ter de se preocupar em se agarrar ao pescoço. Desmantelar-se. Inutilizar, um a um, cada músculo do corpo até quase perder a forma de gente. Até ganhar moldura de colo.
Chegar tão perto a ponto de confundir qual dos dois corações é o seu. Não há melhor canção de ninar.
Se não aprendi a voar, o que me alenta é saber que um dia já fui do tamanho de um colo e vi o mundo centímetros acima sem ter asas. Pois é fato: não se pode ser plenamente com os pés no chão.
Por um colo, confesso, já até trapaceei. Lembro, algumas vezes, do pai cansado e arfante e eu fingindo meu sono profundo apenas para garantir aquele colo absoluto, desse sem nenhum enlace. A cabeça despencada, a boca aberta. Não há músculo que resista a um bom colo.
Além de corpo mole, birra é uma moeda forte nesses casos. Vale espernear até ganhar as alturas, só para ver um mundo mais confortável do alto de um colo.
E se há colo, é possível desistir de tudo a qualquer instante. Nem é preciso esperar para chegar em casa. Ali mesmo no supermercado, na rua, no elevador, é permitido não querer mais brincar de existir. Um colo aconchega qualquer derrota.

Hoje em dia, chego a me esforçar para caber em um colo. Espremo, espremo. Não cola: no colo, não cabe nenhuma contenção. Agora, só há espaço para a cabeça sobre as pernas do outro. O cafuné tenta consolar.


Este texto é dedicado às pessoas que ainda cabem em colos: Feliz Dia das Crianças!


Juliana Simonetti é jornalista, mas prefere fantasiar nas horas vagas (http://juemquedalivre.blogspot.com). Está em fase de produção de seu segundo livro (sobre o sertão mineiro de Guimarães Rosa) e há cerca de 20 anos não cabe mais em colos, mas sabe do poder dos ombros amigos.

5 comentários:

cacau disse...

"Um colo aconchega qualquer derrota." Só podia ser mesmo escrita de gente dos Guimarães...Diadorim, diadorim, baita orgulho e saudade. Cacau

Unknown disse...

o, que coisa mais linda! Peguei um pouquinho seu coracao no colo e agradeci

Giulietta disse...

mas a ju cabe no meu abraço, esse de quebrar os ossos. saudade.

Mãe Corujona disse...

lindo... sem comentários

Rúbia Barros disse...

Juliana,gosto muito dos teus textos gostaria de saber se vc tem algum site,ou outro blog,procurei mas não encontrei o meu e-mail é
barrosrubia@hotmail.com
obrigada...